A Cosmovisão Chinesa e a  Manutenção da Saúde

Jade Souto

Foi o espírito de contemplação dos chineses que lhes permitiu perceber as relações entre tudo o que existe na natureza, que é permeado, regido e conectado pela indescritível ideia do Tao (Caminho, Curso, Logos). A partir da observação da natureza e seus fenômenos, eles estudaram seus elementos, ciclos e movimentos, e a ligação entre eles. O Universo é descrito por eles como uma rede de fluxos em constante interrelação, um Cosmos que possui leis próprias e existe a partir do princípio básico da interação entre as polaridades (Teoria do Yin-Yang). Esta cosmovisão pode ser encontrada em uma das obras de maior importância já escritas, o I Ching, em cuja sabedoria estão as raízes da filosofia chinesa, assim como sua ciência, arte de governar e vários aspectos do cotidiano se inspiram a mais de três mil anos em seus ensinamentos.

A pensamento chinês baseia-se no princípio do conhecimento da natureza como caminho para atingir o estado de harmonia. A concepção de harmonia é inerente a diversas culturas antigas, traz em si a ideia do equilíbrio entre os diferentes aspectos do Cosmos, uma espécie de organização do universo baseada em determinadas leis que o regem, onde cada componente do todo, com sua forma e ritmo próprios, se interrelaciona e possui seu lugar. Dentro desta visão holística, o homem é visto como parte integrante e inseparável deste todo, e, além disso, como um microcosmo que contém em si processos semelhantes aos que ocorrem na natureza.

Um ponto chave do pensamento chinês é o movimento, a mutação, a constante transformação. Pois, ainda que haja leis universais e os mesmos ciclos naturais se alternem e repitam, como o dia e a noite, o curso das estações, ou mesmo o ciclo de nascimento- crescimento-desenvolvimento-declínio, as coisas não permanecem iguais nem estáticas, mas se renovam, se desenvolvem, sofrem transformações e evoluções. Nem mesmo as polaridades são estáticas, já que os fenômenos são manifestações do Qi (energia vital) em diferentes estados ou níveis de intensidade; partindo-se aqui do conceito chinês de Qi como base de tudo o que há no universo: “o Qi é o substrato material do universo, também é o substrato material e espiritual da vida humana” (Maciocia, 1996, p.52). O Qi apresenta-se de diversas maneiras e possui inúmeras funções de acordo com sua forma de manifestação.

A partir de uma compreensão do movimento universal, podemos perceber em que momento deste fluxo estamos, e então estabelecer a melhor forma de conduta para mantermos um estado de vida harmônico. Neste ponto, fica claro como o conhecimento se torna um instrumento de prevenção, e também como a medicina chinesa é, acima de tudo, uma medicina preventiva ao ajudar-nos a estar em conformidade não apenas com nosso próprio ritmo, mas com o ritmo do que nos cerca. A percepção dos padrões específicos a cada situação torna possível identificar tanto a origem quanto o provável desenvolvimento de uma patologia

Dentro dos processos fisiológicos, a patologia pode ser explicada como um desequilíbrio na circulação do Qi. Como tudo está interligado, compreendemos que tanto um desequilíbrio em alguma parte do corpo, ou mesmo no modo de vida, pode afetar o organismo inteiro.

Consequentemente, na prática clínica, a compreensão do momento em que o paciente se encontra, seu modo de vida, sua relação consigo mesmo e com o que está a sua volta é de extrema importância não apenas para o diagnóstico e o tratamento, mas também para as instruções a serem dadas como auxílio indispensável para a manutenção de sua saúde.

A forma do pensamento ocidental, mais redutivo, que traz uma visão fragmentada do universo e do homem, tendendo a separar a parte do todo e a tratar o indivíduo como algo alheio à natureza, pode fazer a compreensão da Medicina Chinesa parecer um pouco complexa, mas esta sabedoria milenar é baseada em princípios incrivelmente elementares. Faz-se necessário desapegarmo-nos um pouco de alguns conceitos preestabelecidos e retornarmos mais à simplicidade inerente às coisas, para acessarmos de outra forma o conhecimento como caminho para a saúde em amplo sentido, que integre corpo, mente, alma, e as relações com o ambiente de um modo geral, além de auxiliar o homem a desenvolver suas potencialidades e cultivar sua própria natureza.

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